Mittwoch, Mai 28, 2003

FOTOS

Ele ia tirar uma fotocópia - ah, vai lá, um xerox - daquele livro. Era muito bonito, milhões de afrescos. Coisa rara, do século XVI. Dava até pena de folhar. Mas tinha uma informação de vital importância lá. Era coisa de família, parece. Então ele pôs o livro debaixo do braço e rumou para a portaria.

Lá chegando, o semi corcunda de notre dame assexuado (não dava para precisar o que aquilo era) escolheu na gaveta seu melhor sermão sobre conservação de materiais antigos que o indivíduo, de seus metro e oitenta, acabou com metro e vinte. Quase cortou os pulsos, inclusive. "Uma fotocópia encurta a vida útil do papel em cinqüenta anos! Ouviu bem! Mais tempo que tu tem de vida, mocinho! As luzes tiram o brilho da tinta do papel, tiram sempre um pedaço das coisas! E se tirarem muitas cópias, logo alguém não vai mais poder ler! Alteram as cores! É um crime!" E ele se sentindo um monstro.

De volta a sua mesa ele viu que ela tinha razão. Rasgou as páginas que interessavam, dobrou, pôs no bolso e foi embora. Afinal, ele não era um monstro para fazer sumir aquele dado histórico do mundo tirando um xerox. Dignidade acima de tudo.

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Ela era bonita e muito famosa. Desde os doze anos fotografando. Modelo. Récorde de participações em desfiles, revistas, jornais e outros meios. Milão, Paris, Nova Yorque e Tóquio eram o seu quintal. Muitos homens aos seus pés. A preferida de onze em dez fotógrafos. Ela ficava bonita até mesmo vestida de mocotó azedo laranja fumê. Se é que alguém pensou nessa roupa.

Vinte anos depois, a garota estava em crise. Se olhava no espelho e não conseguia ver nada mais que uma mancha opaca. Tinha perdido os contornos. Ainda existiam, mas estavam fracos. As formas eram as mesmas, quase por milagre, mas faltavam as linhas. Pálidas. Desfocadas. O cabelo já não eram mais negros, eram meio cinzas, embora não grisalhos. O sorriso parecia aqueles de comercial de sabão em pó. Triste. Mas ainda era fotografada. Buscavam mostrar dela aquilo que morreu. Realçavam com quilos de maquiagem. Ainda a queriam sugar. Mais um poquinho.

Ontem ninguém achou mais ela. Sumiu. Desapareceu. A mãe dela, bibliotecária antiqüíssima do acervo estadual era a mais inconformada. Ela havia avisado. As fotos roubam pedaços. Pena ninguém ter lhe dado ouvidos.