Dienstag, April 30, 2002

VAGO

Vazio eu vago
E com gesto vago
Indico o lugar vago
A moça senta.

E novamente eu vago
No meu espírito vago
para algum lugar vago
A alma pesa.

E meu amor vago
Se não divago
Ainda se encontra vago
Pobre vadio.

Vaga vagabundo,
No vago mundo
Vago moribundo.
O final chega.

Montag, April 29, 2002

NADA

Sinuca. É muito bom. Melhor que bola 8. Faz a gente se sentir no comando. Sem medo. Com álcool. Só por isso agradeço as aulas de trigonometria. Física, com os seus impactos elásticos. Ângulos alfa, beta e gama. Numa mesa de sinuca tudo faz sentido. Deveria ter feito minhas provas em cima de uma. Vou comprar para ter em casa. Nenhum móvel, só ela, com seu pano verde e seus seis pés. Dormir encima dela, fazer sexo, escrever, estudar. E jogar muito. Bola de marfim em tampo de pedra. Nenhum pensamento. Só mirar e atirar. Caçapa, um gole de whisky para acompanhar. Ainda acho alguma garota que goste de jogar sinuca. Vai ser a minha eleita, porque sinuca é um estado de espírito.

Os nerds não jogam sinuca. Tapados, incultos, chinelos. Eles não jogam sinuca. E nem truco. Canastra pode até ser, um escovão, coisa e tal. Isso por uma questão darwiniana de seleção natural das espécies. Evolução. No carteado todos começam com pife. Depois vem o pontinho. A diferença é mínima, mas já causa muita confusão. Depois temos a escova, com seus quinze pontos. Primeiro em baralho normal, depois em baralho espanhol. Clássico. E vem a canastra. Aí tu aprende a pensar. Analisa o monte, o jogo do outro. Usa estratégia. Segue o pôquer. Nunca joguei para valer esse jogo. A melhor das vezes foi quando eu e meus três irmãos pegamos as fichas do nosso jogo de roleta e apostamos com baralhos de Super Trunfo. Aí tu aprende o blefe. Para quê? Para usar no truco. Esse jogo requer culhão, sorte e muita cara de pau, além de uma mente criativa para tirar os adversários. O legítimo campeão é o mais falastrão, gritador. Essa é a alma do jogo. Contar vantagem. Dizer que tu é o melhor e que o resto são patos.

Na mesa verde de pedra, começamos com o tradicional vermelho e azul. Joguinho clássico, sediado em mesas pequenas de grandes butecos (chamo como quiser, ok?). Cinco bolnhas para cada lado, ganha quem matar todas as do outro. Depois temos a primeira variante do jogo, quando somos finalmente apresentados ao Bolão. Isso dificulta as coisas, pois é aí que chegam os famosos nukes (abrasileirados como esnuques). Tem gente que se forma nisso, alcançando a graduação na próxima etapa: a bola 8. Primeiro se joga retirando a bola oito da mesa, para não perder a ficha. Quando perde a graça joga-se nas mesas grandes, com caçapas de redinha (até então eram de ferro ou nylon), onde geralmente temos que pagar por hora. Técnica apurada para utilizar os tacos em x. E finalmente a sinuca.

Acho que é isso. Atingi a maioridade da boemia. Sei jogar sinuca, sei jogar truco. Adoro Bohemia e Polar. Whisky. Vinho branco. Orgulho.

Sonntag, April 28, 2002

MUNDO IMUNDO

sobre os seus pesares
olhares de culpa e retidão.
e quem quisesse favores
fariam se o erguesse do chão.

obras
olhares
palavras vulgares
lembranças insanas
e o coração acusa-se vazio a semanas.

mundo podre,
mundo padre,
mundo pare.

imundo mundo moribundo.

rótulos
escrúpulos
tudo no mesmo saco
óculos,
esdrúxulos
mundo tornado em caco

quanto esforço pode fazer um louco vazio para rimar bonito?
pode ele de joelhos caminhar até o infinito?
deve a métrica aprisionar a arte?
a razão matar a sorte?

se eu juntar algumas palavras bonitas serei poeta?
me mostra com quantos versos se faz uma epopéia.
talvez agrado eu cause à platéia
doze moscas e um garoto de bicicleta.

e o vadio segue
e o vazio persegue
e os olhos ficam no chão
e os velhos dizem que não
mesmo assim ele vai
mesmo afim ele cai
e os momentos eternos
e os julgamentos internos
esquecem o passado
aquecem o coitado
que ruma sem saber
que hoje vai morrer
mesmo sem rimar
mesmo sem amar

muito triste por sinal este pedaço
que com meu backspace logo desfaço
mas não apago o que escrevo
mesmo se quero não devo

talvez nos bites do hd
se alguem se demorar um pouco
alguém por aqui passa e vê
que ainda sou louco
e o motivo é você.

Sem manifestações por favor.

Mittwoch, April 24, 2002

C'EST LA VIE

João. Esse era o cara. Quase na Academia. Muitos chamavam-no de Best Seller. Os livros dele não paravam nas livrarias. Mesmo nesse nosso país de gente desacostumada a ler. O pessoal lia o Notícias Populares e ele. Fenômeno. Internacionalmente conhecido, dava palestras em diversos países. Carismático, atencioso. Tinha também um site interativo de novas criações, onde os visitantes podiam vê-lo escrevendo on-line, em real time. Prova de que além de mestre nas palavras era muito bom de fazer dinheiro.

Muita gente tentou explicar o que era ele. Como ele conseguiu galgar tamanho sucesso? Textos simplórios, alguns erros de português. Não era tão barato. Livro grosso, geralmente. Poderia ser por simpatia aos seus diários nos jornais (aqui e lá fora). Se bem que os jornais vieram somente depois da fama. Em conversas com amigos ele chegou a confiar (não deveria, se até eu já estou sabendo) que seu diferencial era de ordem cardíaca: escrevia o que os corações queriam ler.

Suas histórias sempre tinham a ver com romance. Não importando se ele escrevia sobre banheiros, brejos, beijos ou bocejos. O mocinho estava lá, era só folhear. E o amor dele podia aparecer no próximo parágrafo, para se perder na página sequente. Narrava os sofrimentos, dúvidas e apaixonites com precisão ímpar. Isso motivava as pessoas a lerem. Escrevia sobre coisas que todos sentiam, mas tinham vergonha de assumir. E viam nos textos dele uma auto-análise. Teve gente que até se ofendeu com as palavras dele, achando que eram escritas exatamente para elas. Nunca. O João nem mesmo quer saber o nome de seus fãs. Quer padecer sozinho.

Outros tentaram se passar por ele, não com seu nome, mas com obra parecida com a dele. Mas, por mais que se esforçassem, não conseguiam tamanha acuracidade sentimental. Isso por que as dores dele tinham um nome. Pelo menos era o que se cochichava nos becos. Um ex-amor. Dizem que ele ficou muito mal por muito tempo. Perdeu empregos, amigos, chances. Se entregou ao vício. Até que resolveu começar a por tudo para fora pela ponta dos dedos. E estourou. Mas ele nunca confirmou. Até agora.

Ia ficar muito difícil esconder aquela garota que tentava espiar pelo olho mágico para dentro. João tinha interrompido o clímax da sua última jóia para atender a porta. Quando viu quem era, sentiu sua velha taquicardia balançar as teias de aranha e se espreguiçar, começando logo após uma interação rímtmica tamanha que parecia uma turma de dançarinos formandos em rumba. Demorou cento e cinqüenta anos para abrir a porta e mais uns duzentos para conseguir dar um sorriso. Ela estava linda.

- Oi John. Lembra de mim?

Como ia esquecer. Relembrando todo o dia, em cada linha, em verso, prosa e jingle de supermercado. Sem chance. Podia passar para a próxima piada. Ela entrou, ele pode fechar a porta. Passou todos os tipos de tranca que tinha, colocando inclusive uma cadeira na frente. Pode chamar de auto defesa. Inconsiente talvez.

- As coisas por aqui não mudaram nada...- Desfilando suas pétalas pela casa.

- Superficialmente, Ana.

- Isso quer dizer que as gavetas e armários estão diferentes?

Senso de humor. Pode ser que era isso que ele tanto sentia falta. Ela não tinha perdido o jeito. Sempre desconversando com aquele jeito lindo. Palavras. Ele se apaixonou pelas palavras dela desda primeira vez que ouviu. Telemarketing. Depois foi por escrito, com uma foto inclusive. Foi o "cordialmente" batido a máquina mais sexy que ele já viu. Remmingway. Além de tudo era clássica.

- Viajando denovo John?

- Desculpe.

- Não por isso... o que tem feito além de escrever?

- Escrevendo.

- Sim, mas como vai a vida?

- Esta é minha vida agora... - Pegando um livro.

- Sempre foi esse o teu mundo, John.

- Não até tu me largar.

Silêncio. John tinha aquela mania cretina de dizer frases de impacto. Sempre acabava sendo crucial. Encerrava qualquer conversa, deixando os interloucutores entre pasmos, intrigados e sem jeito com suas verdades. Ela sorriu. Ele só não desabou porque estava sentado.

- Tenho lido teus livros.

- Me sinto honrado.

- São muito bons. Já me peguei chorando e torcendo no meio das minhas leituras.

- Só escrevo o que sinto.

João não queria ser seco, mas era a única maneira de não perder a compostura. Ele tinha vontade de se atirar no chão, chorar, pedir que ela voltasse, esquecesse o passado. Ela era a vida dele. Ele queria parar de ter motivos para escrever, queria apenas uma vida normal.

- Nos conhecemos bem John. E acho que sei o que tu quer dizer com cada uma das tuas histórias.

Não, ele não achava que sabia. Ela não amou ele o suficiente. Simplesmente conviveu com ele, fez de gato e sapato. Brinquedinho. Bobinho e indefeso João.

- E acho que chegou a hora de te dizer algo muito importante. Sabe John, muito tempo já se passou desde que nos separamos.

Pronto. Podia se preparar para morrer. Ele sabia o que viria. Já tinha escrito isso quando Mary conversava com Leopold na tricentésima octoagésima quarta página de seu segundo livro, Os Invernos Serão Frios. Isso era um comunicado de novo amor. Conheceu alguém e quer contar que vão casar. Pobre João.

- Olha, somos crescidos Jo. Já sabemos o que queremos da vida, temos nossas carreiras, nossas prioridades.

João pensava: "Deve ser rico, talvez advogado, médico, sei lá... Pobre de mim. Ela vai pisar na ferida, passar álcool e um pouco de sal. É a bruxa mais linda do mundo, cruel. Não, não, não... Mais uma vez não vou agüentar."

- E tenho que te fazer uma grave revelação. Jo, olha pra mim!

"Vou virar pedra se fizer isso, doce medusa. Não vou olhar para mais nada. Só vou fitar. Sentir as sensações do mundo pelos órgãos dos outros, para poder dilacerar meus sentimentos como tu estás fazendo com meu pobre coração. Nobre princesa, outrora dona do meu ser, agora regurgita os sentimentos do amado como se nunca fosse por esse nome batizado." Olhando para ela "Enfia em mim essas garras de seda e tira de dentro do meu peito esse câncer que só serve para enrigar de sangue meu corpo podre"

- Eu te amo. Te quero devolta. Não sei porque te larguei, mas não consigo viver sem você.

"..."

- Como é que é?

- Jo, eu te amo. - Sorrindo.

João levantou e caminhou até a porta. Tirou as trancas e a cadeira. Abriu.

- Sai daqui Ana.

- Mas Jo...

- SAI DAQUI! E NÃO VOLTA MAIS!

- Jo...

- CHEEEEGAAA!!

Ana saiu correndo antes que ele perdesse a calma. João chorou muito, bebeu deveras. Teve úlceras, febre, consumiu drogas e xingou a mãe do motorista de ônibus, seminu, pendurado na janela do apartamento. Mas ia sobreviver. Já tinha acontecido antes. Foi melhor assim. Resolveu se preservar. Já tinha perdido a namorada, perder a musa inspiradora era demais. Afinal, tinha que terminar um livro. Ah, Se Ela Batesse à Minha PortaFoi o seu maior título em cifras - récorde nacional.

É a vida.

Montag, April 22, 2002

PENSANDO EM QUEM?

Sai dessa vidinha e começa a te fazer essa pergunta. Tá pensando em quem? Em ti? É uma boa, porque tu finalmente vai te dar conta que tu SEMPRE pensa em ti. Com toda essa redundância. Em todas as nossas conversas. Tudo. Teus conselhos sobre a minha vida sempre passam pelo quesito "ei, no que isso pode me ajudar?" antes de chegarem até meus ouvidos. Esse papo de que tu te preocupa comigo quando eu demoro para chegar, no fundo, não é nada disso. É simplesmente porque minha ausência interfere no teu sono. A tua preocupação com os pobres é simplesmente para que eles saiam da porta da tua casa. Esse negócio de ser anti drogas, é só para não te estressar em ter que visitar teu filho numa clínica de recuperação. Amor? Ah, esqueci que essa palavra é estrangeira para ti sempre que desacompanhada do pósfixo "próprio".

É fácil me procurar quando precisa de alguma coisa, mas será possível que é tão difícil notar quando é minha vez? Ops, esqueci. Essa parte não tava no contrato. Então assim eu tenho que te manter bem, vibrante e de bem com a vida enquanto tu não tá nem aí comigo. Inclusive, adora mudar de assunto quando eu toco no assunto. Parece que sempre que eu digo "acho que não to legal" é uma senha para uma voltinha com aquela amiga que fazia tempo que não via. Ou mesmo para me contar como foi o teu dia. Por isso resolvi escrever. Assim tua única opção é não ler, o que não vou me importar nem um pouco. O problema, da mesma forma que o mundo em que tu habita, é teu. Faz dele o que quiser, mas me tira desse bolo. Eu quero tentar viver ou me dedicar a quem acha que pode dividir algo e não subtrair. E olha que eu nem gosto de matemática.

Nem mesmo procurando tuas companhias tu não esquece de ti. Tem que ser assim-assado, não pode ter isso-e-aquilo. Caso contrário, simplesmente vira as costas pra pessoa, deixa ela falando sozinha. A não ser que essa pessoa esteja falando sobre algo do teu interesse, aí sim, a coisa muda. Eu fico olhando e fico puto com isso. Nem mesmo namorado escapa. Só serve para te dar prazer, te fazer sentir que mais alguém te ama. Olha, pode me chamar de antiquado e estúpido, mas eu quero poder fazer as pessoas se sentirem bem. Quero poder fazer com que elas se sintam felizes. Mas eu não sou fonte ininterrupta de empolgação. Eu canso.

E CANSEI disso tudo. Agora.

Sonntag, April 21, 2002

SEMÁFORO

Andou até o limite. O final. A esquina. E tinha um monte de ruas como opção de rota. A única coisa que não dava para fazer é voltar. A casa tinha encendiado, o trabalho dispensado. Descendentes não tinha, e nem mesmo alguém para sentir a falta dele. Só tinha o carro com meio tanque, e uma fila de outros veículos atrás. Na frente a sinaleira. Tinha pouco tempo para decidir o que fazer da vida. Mas tinha um monte de idéias na cabeça, muitas coisas para resolver. Ouvia muito barulho e tentava se lembrar da última vez que tinha parado para pensar na vida assim, sem ter alguma linha para seguir. Parecia livre. Sufocantemente livre.

Viu pessoas cruzarem apressadas pela faixa de pedestres na sua frente. Lembrou dos sonhos de criança. Ser Mágico. Poder transformar as coisas. Tirar do caminho tudo que pudesse machucar com o simples poder do pensamento. Ter finalmente as rédeas da vida, dominar o incerto. Não ter quem governasse a sua vida. Por que não se sentia desse jeito naquela hora? As pessoas que passavam não pareciam ter a resposta. Poucas olharam para dentro dos vidros do automóvel. Ninguém sabia nem o que estava acontecendo, quem dirá saber algo da vida do cara que até aquele momento nem conhecia ao certo. Lembrou dos cachorros que ele queria imortais, para não ter que chorar. Das coisas que seus pais disseram. Os momentos ruins sempre presentes, sempre destruindo todas as lembranças boas. E viu as pessoas começarem a correr, o sinal estava por dar passagem aos motorizados.

Fechou os olhos. Procurou a varinha mágica. Não queria que aquele maldito semáforo abrisse. Não queria que o tempo passasse. Só queria ficar sentado, encolhido, no banco do carro. Esperar tudo passar, a noite chegar e os demônios irem para as suas casas ver novela. Procurou se concentrar. Ergueu a mão esquerda. Olhou atentamente o vilão colorido. Sentiu toda a energia do garotinho que ainda vivia naquele corpo surrado se concentrar na ponta dos seus dedos. Ia ser esse o momento. Ia ser agora, ele sentia. Três... a mão ainda em pé... dois... olhos atentos... um... Verde. Mais que depressa seu dedo médio se ergueu impávido, em dua mão fechada, para apreciação de todos. Com a mão direita puxou o freio de mão. As buzinas atacavam de todos os lados e ele sorria. Ia parar o tempo de qualquer maneira. Era mágico. Ele podia.

Em quinze minutos tudo virou um caos. Ambulâncias, ônibus, tudo parado por causa do cara do sinal obceno. Policiais tentavam negociar a saída dele, mas ele não dizia nada. Só sorria. Estavam começando a pensar em força bruta, depois de uma hora de greve do motorista, quando ele soltou o sinto de segurança. Todos ficaram imóveis. Ele abriu a porta e saiu do carro. Sua mão ainda mostrava os dedos em formato fálico. De repente ficou sério. Abaixou a mão. Dispôs seus braços ao longo do corpo. Despediu-se, moveu os braços como asas e voou. Finalmente decidiu: ia para o sul no inverno, junto com os patos selvagens.

Freitag, April 19, 2002

NINGUÉM CHOVE

Maior mentira do mundo. Minha professora de português, a tia Iara, me explicou uma vez que os verbos que traduzem algum tipo de manifestação da natureza não eram conjugados. Disse que eu não poderia chover, por exemplo. Mesmo acrescido de uma das terminações verbais, não poderia ser utilizado como ação de nenhuma das três pessoas. Não importava se fossem pessoas plurais ou singulares. Quem dirá a minha pessoa. Nem cachorro, nem nada. E inclusive eu não poderia utilizar a frase em questão: A chuva chovia.... Era a primeira vez que eu ouvia falar em redundância. Tinha onze anos, quinta série do antigo segundo grau. Eu tinha cometido essa atrocidade. Hoje eu diria que é uma licença poética, mas naquela época eu não sabia nem o que era isso. E ela me desmoralizou, na frente de todos os meus colegas. Acho que é por isso que fiquei assim.

Os dias passaram. Hoje sou coincidentemente onze anos mais velho. Já li muita coisa. Usei o artifício da licença poética inúmeras vezes. Acho até que vou me casar com ela. A tempo: a licença, não a professora. Escrevi um monte de merdas. Erro no português até hoje. Guardei rancores, me vinguei, me apaixonei. Fiz muitas coisas. Não tantas quanto gostaria, graças a minha indecisão e minha mãe curuja, mas tudo bem. O negócio é que vivi até hoje e descobri coisas. E a mais gratificante para mim - pelo menos agora - é que a minha querida professora estava absolutamente errada. EU CHOVO. E muito. Se eu fosse índio americano poderia ser chamado de "Janjão Chuva Ligeira". Nada é mais gratificante que saber que tu tem razão. Mesmo mais de uma década depois.

Me dei conta disso semana passada. Resolvi ver se eu era macho para agüentar no osso a presença da que agora está ausente. Não sou. E chovi. Do mesmo jeito que chovo desde que fiquei sozinho. Da forma exata de quando vi o final de A Vida é Bela. Do mesmo modo de quando cantei aquela música naquele ouvido. Quando perdi o fio da meada. Da maneira que faço baixinho, quando não consigo agüentar a pressão. Eu chovo muito. Um temporal.

Não bebi. Não estou fazendo confusão com chorar. É muito diferente. Eu chorava quando apanhava da minha mãe. Quando meu irmão não deixava eu brincar com os brinquedos dele. Chorava se me machucava fisicamente, se queria desconto em uma loja. Essas são ocasiões dignas de choro. A dor física, o contato terreno, a perda material. Essas coisas exatas e inconseqüentes. O que não é o caso aqui.

Eu chovo. Com todas as minhas forças. Trovejando. Isso porque eu sofro. Por um monte de coisas. Me olho no espelho e vejo um semblante preocupado, surrado, sobrancelhas cerradas, barba por fazer e cara de poucos amigos. Cinza como uma borrasca. Como se tivesse uma nuvenzinha na minha cabeça. Queném o Coupé Mal-Assombrado da Corrida Maluca. Chovo porque alguém se achou no direito de parar de ensolarar miha vida. Chovo porque não quero depender mais de nenhum sol. Chovo porque quero calor. Chovo porque quero um motivo. Chovo porque não tenho mais nada de útil para fazer. Chovo porque a poesia me deu licença para isso. Chovo por qualquer motivo. Estou chovendo por nada.

E agora vamos à previsão do tempo...

Donnerstag, April 18, 2002

Correção:

Onde se lê sétimo no post anterior, entenda-se sexto. O oitavo é na realidade sétimo.

Pequenos erros.

Mittwoch, April 17, 2002

MINHA MORADA

Descobri hoje aonde vou passar o resto da minha eternidade. É um lugar bem diferente, formado por círculos concêntricos. Vou ficar na sétima divisão, das oito que formam essa parte. Se quiserem mandar uma carta é Inferno, 7º círculo, Zona 23-B. Ou e-mail: setimocirculo@inferno.com.

Segundo Dante (o Alighieri, se tiver algum inculto lendo isso) é o lugar reservado aos hipócritas. Fica um pouquinho antes da ala dos violentos contra deus, a natureza e os outros (oitavo, que é subdividido em três partes). Bem bacana. É um vale, desértico e plano. Muito quente. Arenoso. E eu vou penar eternamente tendo que carregar um manto que cobre até a cabeça, formado externamente de ouro e internamente de chumbo. Diz que é muito pesado, logo, tem academia lá, não vou precisar me estressar. E a roupa parece muito fashion, pena que seja igual pra todo mundo.

Bom, o que eu acho palhaçada do dia fica por conta dessa religião que tem a mania de se comportar tão vingativamente. Por que temos que penar em lugares horrendos pelas nossas falhas? E mais, do jeito que está montada a Divina Comédia, vão ter que me fazer em pedacinhos para me colocar quite com o carinha lá de cima, por tanto que eu já saí da linha. É brabo. É por essas e por outras que sou ateu.

...
WHAT?

I don't know what do you mean. I'm the boy? Are you understanding my fever? Of course you can do this. I think you have the same ghosts that mine. We can speak in the same language. I can read this in your words.
If i'm the boy, thankyou. If I'm not, that's ok. I will survive.
By the way, you really read this?

Montag, April 15, 2002

VACAS MAGRAS

Sempre tem gente que diz que os tempos ruins são tempos de vacas magras. Ontem estava pensando a respeito e acabei me dando conta de que não é nada mal. Por exemplo, se não fossem as vacas magras, não teríamos leite light. E outra: vacas magras pesam pouco quando estão por cima.

Resquícios do álcool. Meu canecão ficou inteiro, tenho sorte pra caramba. Acho que isso aconteceu depois que meu anjo da guarda em estado de greve rogou para que a sorte me acompanhasse. E eu que achei que minha visita tinha sido para fins meramente auto-depreciativos...

Bem vinda @$#@%¨#¨$&& feira.

Sonntag, April 14, 2002

Só tenho uma coisa para colocar aqui hoje... festival do chopp. MUITO BOM!!!

E viva Feliz...

Samstag, April 13, 2002

ATENÇÃO: MUDANÇA DE ATRIBUIÇÕES

Está resolvido. A partir de agora estou mudando algumas regras do meu corpo. Meus sentimentos não são mais encargos do meu coração. Tá, não começa agora com essa história de que o coração simplesmente bombeia sangue, que o cérebro - esse cético metido a besta - é quem comanda as dores de cotovelo, risadas e lágrimas. Negativo. Eu sou romântico, e um órgão tão mandão e sabe tudo não pode ser capaz de mandar nas minhas pieguices. E afasta de mim esses artigos da Science, eles não valem bulhufas. Pára de rir e escuta o que eu tô dizendo.

Eu dizia que vou deixar outro órgão a cargo dos meus sentimentos. O coração já é fraquinho, dói por qualquer bobagem e já cansei dele se bobeando, batendo rápido, fazendo minha voz parecer de bêbado. Além do mais, ele não sabe simplesmente se livrar de alguém. Ele deixa o motivo dos meus sentimentos num cantinho, na gavetas de meias dele, e fica batendo. Depois de algum tempo, ele abre a gaveta para pegar uma - ele sempre precisa de uma meia afinal - e encontra a sujeita lá. E bate errado, dói, belisca os olhos que começam a chorar, incomoda até o estômago. Chega, chega. Quero alguém mais decidido para cuidar desses assuntos tão delicados.

E pensei muito a respeito. Passei por vários candidatos. O primeiro que pensei foi o estômago. Ele é maior, pode se adaptar facilmente, e qualquer problema manda tudo pros intestinos. Mas ele já tá sobrecarregado com a fome e com o medo (de onde acha que vem o friozinho da barriga?). Mais um ia resultar em aumento de salário. E eu estou em medidas de contenção de despesas. Descartei o cérebro de cara, por razões supra citadas. E o pênis também não, por motivos inversos. O fígado, coitado, anda muito maltratado ultimamente. Por culpa do coração, eu sei. Mas eu teria que esperar ele se recompor das últimas incursões alcoólicas. E ele pode ter o seu senso de julgamento um pouco deturpado pelo longo contato com a mardita. Passei por todos, mas sempre serviam para alguma coisa. Até que eu tive uma idéia brilhante: o Apêndice.

Essa coisinha inútil é a solução para meus problemas. Não serve para nada, assim não pode se queixar de ter excesso de trabalho. Caso tenha que encarar aquelas pessoas que fizeram parte da tua vida mas simplesmente machucam agora, fácil, tá no caminho mesmo, joga na privada. Ninguém morre de dor no apêndice. Se ele começa a incomodar, cirurgia nele. Tira fora. O problema é que uma apendicite pode me tornar um homem de gelo, mas tudo bem, ainda sirvo para ser chefe. Tudo em nome do meu bem estar. Viva ao meu universo umbigo.

FÁBULA

Vou contar uma historinha. É sobre um mosquito.

Era uma vez um mosquito. Ele tinha patas e asas. Mas não tinha muita cabeça. Preferia mais usar os sentimentos do que a razão para tomar suas atitudes. Era um solitário. Mas não era chato. Afinal, era um mosquito macho, e mosquitos dessa espécie só servem para procriar. Não transmitem doenças, não interrompem sono e nem picam. Deixam isso para as mosquitas. Elas se encarregavam de pôr os ovos. Ele só vivia a sua vidinha de voar e se alimentar de microorganismos ou de frutas.

Mas esse mosquito era muito curioso. Ele queria saber o que era aquela luz que iluminava todas as coisas ao seu redor. Aquela que fazia a flor sorrir de manhã cedo, que dava cor para as frutas. Que brilhava na água. E ao mesmo tempo ouvia zumbidos de notícias de outros mosquitos que tinham se encontrado com a fonte dessa luz. Mas eles nunca mais voltavam. Ouvia isso das mosquitas. E queria ver com seus próprios olhos. Sair da inércia. Ser lembrado pelos outros mosquitos. E resolveu sair atrás. Diziam que era quando a luz dava lugar às trevas que ela se escondia dentro dos quartos das casas, em porções pequeninas. Ia ser naquela noite.

Quando tudo parecia escuro, ele saiu junto com as mosquitas para a casa, mesmo sem saber o que era aquilo. Depois de algum tempo, chegam a uma grande abertura e entram. Lá estava ela. Clara, imensa. E muitos outros insetos em volta dela. Foi na direção da luminosidade, com muito mais curiosidade do que juízo. Era quente. Era agradável. Era tudo que ele precisava. O que ele sonhava e sentia. Soube naquele momento que amava aquela situação e amaria ainda mais a fonte daqueles sentimentos todos. Tocou a superfície. Mas não parecia ser somente aquilo. Rondou toda a face daquela superfície luminosa, passando por mosquinhas, besouros, cupins. E tentava enxotá-los. Queria ser ele o motivo daquela luz brilhar, e não aquele monte de outros que tentavam dividir aquele espaço. Talvez tenha sido esse o seu maior erro.

Procurou até encontrar, na parte mais escura, uma brecha. Aquilo era apenas um lustre, saberia depois, o que luzia era o que tinha dentro. E ele viu ela. Estava lá, tão quietinha, e tão linda. Resolveu chegar mais perto, mas com medo de que ela se apagasse. Parecia tão frágil. Parecia tão dele. E, sem pensar duas vezes (falei que nosso herói não gostava de pensar) se atirou contra o globo que a cercava. Tentou libertá-la de um mundo que ele poderia detestar, ficar preso no globo, mas sem perguntar para ela se ela queria ou não. Tentou fazer da luz a sua outra metade, talvez se tornar um vaga-lume, meio inseto meio luz. O fato é que ele se esqueceu de perguntar para ela se aquela luz que ela mandava era só para ele. Se ele soubesse que a luz ama todo mundo, quer aquecer todo mundo, talvez ele não tivesse se jogado contra o vidro. Se ele soubesse que era só ele quem sentia aquilo tudo que chegava a deixá-lo sem voz de tanta alegria, ele poderia ter pensado um pouco.

Óbviamente ele queimou as asas. Ele não voa mais. Ele não anda mais. Ele só existe. E escreve weblogs.

Quem nunca se sentiu um inseto, que jogue a primeira pedra.

Freitag, April 12, 2002

Não adianta. Falta um pedaço. E bem grande. Por mais que eu diga que não. Sem chance. A pior parte é que esse pedaço que falta tem nome, telefone e endereço. E eu sei todos os três. Eu acho que eu devia me contentar, deixar pra lá, passar por esta. Só que é muito mais cômodo ficar neurótico e começar a digitar um monte de linhas a respeito. E deixar que vejam e sintam como eu sou desgraçado. Masoquismo seria uma boa definição.

Donnerstag, April 11, 2002

é...
Bom, esse monte de coisa que segue a essas minhas linhas é uma coletânea das coisas que eu escrevia no weblog do ig. Resolvi trazer para cá, lá eu tinha posto muita letra de música e coisas que não tinha sido eu quem escreveu. A partir de agora, as coisas serão inéditas. Pelo menos eu espero. Desculpem qualquer transtorno, esta página está em construção.
DAS IST KEINE LIED

Isto é uma gravação, por certo. Estou escrevendo isso as 16:36, ouvindo The Clash, preparando-me psicologicamente para o banho número dois de hoje, precedente ao meu passeio até a universidade.Mas estarei postando isso quando voltar. A hora vai ficar gravada. Vou aproveitar enquanto meu irmão não retorna da sua cirurgia.

Bom, cá estou eu, sem emprego, sem paciência para estudar em com um monte de idéias esdrúxulas na cabeça. Então resolvi dar uma escrevidinha aqui. E do jeito que eu geralmente não faço, que é em primeira pessoa. Bem, seja como for, eu não acho que minha vida anda muito legal, embora eu possa acordar as dez da manhã todos os dias. Até minhas frases acabaram ficando compridas denovo. Mas o motivo dessas linhas é dividir essas minhas idéias, e não proporcionar algum tipo de Reality Show. Na realidade vou contar meus planos para o futuro.

Primeiramente, irado pela falta de emprego, criarei o movimento dos sem empregos. Nosso movimento vai invadir territórios não produtivos para poder trabalhar. Isso englobaria escrivaninhas e escaninhos de diversas repartições públicas. Se alguma faxineira nos denunciasse (provavelmente nenhum dos titulares do cargo apareceriam para notar nossa presença) poderíamos nos tornar violentos, utilizando-se de mouses, teclados e monitores para nossa defesa. E, óbvio, faríamos parte do PSTU.

Provavelmente alguma companheira poderia fazer sucesso, ir para a Playboy e terminar seus dias como competidora na Fórmula Truck, mas isso acontece. Eu poderia prestar condolências as FARC’s que estão sendo injustamente atacadas pelos americanos e levar a bandeira do meu grupo. Depois me diria contra ao Neo-Liberalismo, ao Neo-Nazismo, o Neo-Marxismo, o Neo-Classicismo e o Neo-Son Nedi, aceitando a candidatura para a Presidência da República. Pelo PSTU, claro.

Como eu não conseguiria vencer ao candidato lançado pela Rede Mundo, do senhor Humberto Ribeirinho, (que seria, coincidentemente, o mesmo vencedor do Big Brother, com 67,8% das ligações) me lançaria à melancolia. Tornaria-me cantor sertanejo, lançaria o novo single Dormi na Varanda, comoveria todas as donas de casa e plantaria tomate em Goiás. Lançaria um CD acústico, com uma faixa bônus interativa e uma versão remix. Claro, receberia meu disco de ouro no Domingão do Vanutão.

Minha sorte não duraria muito. O movimento dos sem nada para fazer invadiria a minha fazenda, beberia meus whiskys importados, fumaria meus charutos cubanos e mijaria na minha privada. Eu ia ficar puto da cara, mas não poderia fazer nada. As FARC’s que eu tinha apoiado a pouco resolveram tornar minha propriedade mais uma fazenda de cocaína em saquinhos. Muito mais lucrativo que tomate, para ser franco. Mas me tiraram do negócio, me pagando o aluguel em espécime.

Assim, sucumbiria ao mundo das drogas. Depois de quase ser salvo por um apresentador dominical boiola de programas apelativos (aquele da banheira), caio novamente no submundo e tenho minha foto no Malinha Direte, um programa que caça os foragidos com SPAM’s internéticos. Como ninguém lê essas malditas mensagens, consigo sobreviver ileso, me alimentando de ratos, caviar e lagosta, num presídio famoso que quase virou filme. Ninguém procura foragido na cadeia mesmo. De lá lanço um livro com um apelido, vendo mais alguns milhões de exemplares e faço umas três ou quatro músicas de Rap para um grupo que acaba caindo no esquecimento por eu ter usado palavras muito complicadas.

Como ponto final da minha vida, depois de ver meu dinheiro das publicações ficar na massa falida da Editora Maio, faço um assalto na casa do presidente. Fecho um contrato com o senhor Humberto Ribeirinho que instala 25 câmeras de TV na casa e cria a Casa dos Desesperados, onde quem era eliminado tinha que ser morto por mim. A Rede Mundo se dava o direito de interromper os jogos de Rugby para mostrar ao vivo cenas do dia, e todo e qualquer deputado ou senador cassado tinha ingresso garantido lá. Além de alguns atores e atrizes desempregados, que tinham suas chances na casa. Muito divertido. E esta seria a garantia da minha aposentadoria.

Todos os nomes, bem como programas e emissoras, foram trocados para preservar a intimidade dos envolvidos. Esta é uma história de ficção. Qualquer fato similar a realidade é mera coincidência ou ilusão de ótica.
Imberbe segue o fluxo da vida que alguém escolheu para ele. Com uma pasta de papel embaixo do braço sobe os degraus do escritório. Aceita o convite para entrar, senta e ouve com atenção. Ao final estende a mão. Contrato fechado, alma vendida e sigamos todos os nossos caminhos. Essa é a nossa lei. Ou te adapta, ou cospe fora. Prefiro escovar meus dentes.

Com todo o respeito,
Eu.

PS: descobri nesse final de semana que eu sou surrealista.
TANZEN

Diz para mim que vai passar, mesmo que eu chore. Acho que sempre é bom um colo. Não tenha pena, só fica comigo, quieta. Deixa eu te olhar no fundo, te trazer pro meu mundo. Mas não diz nada. Só respira. Quero sentir teu coração berrar nos meus ouvidos que existo, que alguém se importa. O som dos teus suspiros me dando sobrevida. Cicatrizando a minha ferida. Devagar.

Olha dentro de mim e tenta me achar. Vê qual dos eus estou sendo agora. Busca nos meus atos resquícios daquele que tu conheceu. Aquele que foi teu. Acho até que esse morreu. Ou ficou podre, não tem mais princípios. Depois que achar, pergunta como ele anda. Vê o quanto mudou. Pede uma prova de que ele não tá te enganando. E pega o coração dele e põe devolta no prato e come. Só serve de peso morto, mas talvez ainda tenha cáclio, ferro e doze vitaminas e sais minerais. Dá pra ele alguma serventia.

Deixa eu tentar viver denovo. Larga do meu corpo. Deixa minha mente. Segura minha mão. Preciso do teu apoio. Do teu desprezo. Me livrar do tempo mais apaixonante da minha vida. A única das minhas idades que valeu a pena. Tenho que deglutir o passado e me colocar no futuro. No teu futuro. Tenho que ter devolta a vida. A tua vida. Para que eu possa ser eu denovo.

Lamentos, palavras, tormentos. E eu sem saber o que quero da vida. Acho que deixei essa parte dentro de ti, junto com a minha coragem, enrolada na minha sensatez. Se achar manda por sedex, tá fazendo falta. De qualquer jeito, acho que tá apenas fazendo volume. E eu, drama. Vou voltar pros meus poréns, minhas viagens e meus passos lentos. Curtir meus últimos momentos. Antes que mude de humor e vire outro alguém. Amém.
NEUES TAGES

Estou ficando velho. Verdade. Embora não passe do quarto de século, vejo a cada dia que passa minha antiguidade. Primeiro foram os meus cabelos. Um fiozinho branco. Fui eu mesmo quem achou. Depois outro. Agora pareço um gambá. Por isso corto-os bem curtos. Talvez, num futuro próximo, eu possa entender como o George Clooney se sente. Coisas de se pensar.

Bem, mas não é só nos cabelos que são sentidas as mudanças. Elas se estendem até o seu recheio. Tenho sido por demais cético e ranzinza. Não que todos os senhores experientes sejam-no, mas é uma questão folclórica. Assim tomo minha licença poética. Dá para notar as mudanças até nas minhas linhas, que usam palavreado meio arcaico. Se bem que posso considerar reflexo das minhas últimas incursões literárias. O fato é que não é só isso, não tenho praticado nem esportes, e qualquer ato mais explosivo me acarreta dores musculares. Estou ficando putrefato.

O último indício veio junto com a minha pasta de dentes nova. Comprei um tubo para substituir o vazio e fiz sua estréia hoje, diante de uma platéia formada por toalhas de papel, pia, torneira e sabão líquido. Ao vaso sanitário não mostrei, esse tipo de assunto não interessa para ele. Depois da cerimônia de iniciação da nova bisnaga fiz o habitual: rosquei a tampa para liberar o conteúdo. E veio meu mais novo sintoma de envelhecimento precoce, o saudosismo.

Sério. Vi isso quando a tampa rolou pelos meus dedos e caiu no ralinho da pia. Enquanto utilizava meu know-how de mais de dezoito anos de prática (o que? Queria que eu escovasse meus dentes sozinho com menos de quatro anos?), fiquei lembrando o passado. Quantas vezes deixei a tampa da Signal Menta Americana (minha preferida) cair pelas bordas da pia e mergulhar no asqueroso interior do seu ralinho? Ainda bem que tem aquela cruzinha, que sempre deixa no descuidado indivíduo aquela sensação de “ufa, foi quase”. Coloquei meu dedo mínimo (outrora fazia com o polegar) e fiz vácuo na parte inferior da tampa, puxando levemente para cima enquanto inclinava a mesma contra a parede do ralo. Depois voltei a última para posição horizontal e ergui vitoriosamente a vilã.

Fiquei estupefato com a facilidade e me dei conta que os tempos agora são outros. As coisas mudaram. E no caso específico, o que mudou? Meus dedos, é certo. A tampa? O ralinho? As leis da física? Acho que o mundo está muito rápido. Já não temos que carregar bolos de fichas para usar no orelhão e ainda correr o risco de esquecer aquela última dentro da máquina, por exemplo. Os coelhos de chocolate tem orelhas ocas. Daqui a pouco até copos Santa Marina vão se quebrar em caquinhos com pontas.

Só sei que deixar a tampa da pasta de dentes cair na pia não é mais uma das aventuras do nosso dia a dia. Acho que alguém mais deve ter reparado nisso. Tinha visto nos comerciais e nas vitrines tampas que não soltam das embalagens, tampas maiores que o ralo, mas não tinha me dado conta do complô. Acho que vou começar uma corrente pedindo a volta das tampas bojudinhas e dos ralos acinturados para a manutenção das nossas comédias diárias. Podem me chamar de velho, mas quero minhas tampinhas de volta.
MEINE EIGEN AUGEN

Entraram no bar e logo procuravam por um lugar onde pousar. Estavam cansados por um dia de trabalho incessante. E tristes havia muito. Mas estavam lá novamente, indispostos a interpretar os números do quadro negro. Que, aliás, não é mais dessa cor, e mesmo se fosse, não faria muita diferença a esse par daltônico. Ficaram admirando um sanduíche por alguns minutos.

Escondidos por detrás de lentes ficaram imóveis. Na realidade materializando coisas que não são captadas pela parte física do esquema. Criando imagens. Muita pretensão... São apenas órgãos responsáveis por captar e transmitir os estímulos externos. E agora querem iludir o cérebro, vendo coisas que não existem. Como bufões. Pode ser até que sejam. Distraem. E traem.

Resolvem fazer algo de mais útil: brincar com letrinhas. Pegam uma por uma, colocam em fila e formam palavras. Tudo isso sobre o pano branco do livro. Divertem-se construindo mundos e fazendo confusões, trocando ordens. Acho que adoram brincar. Depois de algum tempo saem sem rumo, cobrindo os diversos metros quadrados e cúbicos do recinto. Voam por cabelos, dedos, bocas, bundas (ops, aí não salafrários!!), bolsas, coisas. Pulam de mesa em mesa, correm por todos os lados. E param.

Foi um choque. Estrondoso. Mergulharam urgentemente dentro daqueles. Sofregamente. Encontraram pouso e ficaram à vontade. Aqueles sorriam e eles também. E queriam mais, e por isso procuravam. Se pudesse pediria desculpas tenras, já que esses dois abobados não sabem faze-lo. Só sabem criar confusão. Mas hoje estão marotos e tímidos, voltam de seus segundos-séculos para as letras. Infelizes, acordaram o coração com essa brincadeira.

É certo que ficaram logo. Tinham a atenção tamanha ao ocorrido que nem conseguiam empilhar corretamente aqueles caracteres. “E o Cimbelino canta os nativos...” ah, matrões! Não é canta os nativos, ele conta os motivos! Não prestam atenção em nada, deixam o cérebro confuso e desatento, o coração ao desalento. Por que não ficaram quietos? Que mania de procurar pouso, de querer um lugar tranqüilo. Admirar. Mas para isso que foram feitos, afinal de contas.

Saem instintivamente dos seus afazeres e procuram novamente aqueles outros olhos. Mas, infelizmente, não estavam mais lá. Desesperados reviram as mesas ao redor, ricocheteiam pelas paredes, tabelam com os doces e param novamente no livro. Erguem-se tristemente para suspirar, quando se encontram novamente. Não chegam a se encontrar, é verdade, os outros estão distraídos. Mas eles insistem em ficar policiando, rondando, esperando uma brecha.

A esta altura o pobre do livro já se encontrava fechado. Era alvo de brinquedos das mãos, que não sabiam mais o que fazer. Enquanto isso eles voltavam a correr para todos os lados, tentando chamar a atenção. Muitas coisas aconteciam em volta. Abanos, sorrisos, beijos, aqueles olhos novamente, mochilas, provas, refrigerantes, voltam os olhos. Eles não sabiam o que queriam, por isso acompanharam a senhorita que ia de encontro aos outros.

E deu-se a mágica. Pelo lado de uma cabeça, apertados pela parede se encontraram novamente. E sorriram. Lindamente. Desviaram-se por um momento. Só por charme. Voltaram a se ver. E começaram a brincar de esconde-esconde. Divertido. Uma hora só via um, há outro tempo dois. Beijavam-se e amavam-se loucamente, alegremente. Parece que se conheciam a muito. Fugiam de propósito, só de faceiros que estavam. Durou tempo suficiente para saberem que se veriam novamente.

Meus olhos felizes seguiram a dona daqueles pela saída. E aqueles lindos olhos brincalhões fizeram questão de abanar antes de ir embora. Entreguei-me aos suspiros, feliz.
DAS IST MIR EGAL...

Comeu cento e vinte folhas do autor mais denso. Estava indignado com a vida, o mundo e as coisas. E resolveu sua vida em uma simples frase: tanto faz. Nevermind. Das ist mir egal. Em suma, não queria mais saber das notícias dos jornais, do preço da gasolina e nem da Carolina, como indicavam os velhos cantores. Só queria ser livre. Isso foi o que fez esse coitado encaminhar a sua enfermidade. Ficou obsessivo. Maníaco depressivo. Evasivo. Ninguém mais veria a mesma pessoa de antes.

Tomou coragem e saiu à rua. Ficou caminhando pelas vielas amareladas pela luz dos postes. Reluzia como um arco íris perante as sujas lentes dos seus óculos. Mais duzentos e trinta e cinco passos e estaria morto. Pelo menos de cansaço. Ouviu o barulho da chave da porta da casa que deixou aberta ao sair. Ela parecia gritar no seu bolso. Riu e jogou num bueiro. Não precisava daquela prisão. Estava finalmente dono de si, sem seu contra cheques, seu CPF, nem relógio. O vento passava no seu corpo convidando para uma dança.

Enquanto tirava sua camisa, pisava nas sinfônicas notas emanadas pelas máquinas vespertinas. Duas prostitutas aplaudiram e choraram a sua pureza. Com passes mágicos soltou o corpo dentro da poça de água podre. E rolou como um suíno. Ergueu-se rápido e atravessou a rua como numa roleta russa, no meio dos carros, latindo. Tinha seu espírito pesado. Talvez algum tipo de reação alérgica a humanidade. E por mais que urrasse e se arranhasse não conseguia se livrar disso.

Viu a porta da saída. Na verdade era da escada. Subiu alguns lances e viu coisas. Beijos, abraços, escarros, cigarros. Tinha muita fumaça e a luz era vermelha. Gemidos, sussurros, gritos. E no final uma lua imensa que espiava pela última porta. Ainda deu tempo de trocar cinco ou seis palavras com as estrelas.

Acabou com seus problemas no tempo em que oitenta e cinco quilos cobrem cento e cinqüenta metros na vertical com a aceleração da gravidade.
MY DEAR HEADACHE

I’ve been wrote some lyrics in Portuguese. Today I will be different. I will post this little poem, in my terrible English. I can do anything today is my Halloween. By the way, I’m really got a fever. Maybe that’s the reason to do this. Enjoy it, and I’ll see you later.

FEVER

I like the smell
I like the taste
I like the touch
I like her
But all of these things are false
Because I've got a fever.

The smell isn’t good
The taste is spice
The touch is hot
The girl is beautiful
And all of these things are strange
Because I've got a fever.

Have you ever smelled it?
Have you ever tasted it?
Have you ever touched it?
Have you ever loved her?
So all of these things are better
Because I've got a fever.

I want to infect the smell
I want to embitter the taste
I want to scrape the touch
I want to belong her
Then all of these things are mine
Because I’m insane.
Resolving one old problem...
Ok.
ENTSCHULDIGEN SIE BITTE!!

“Pára de pedir desculpas!” Disse isso com aqueles olhos lindos. Do tipo que parece fazer uma varredura no teu interior, descobre tudo o que quer. E um sorriso. Daqueles que tem o poder de tirar a força das pernas. Retribuí aquela pintura com a frase “Tudo bem, não faço mais. Desculpa”. Rimos alto e seguimos no caminho até a casa dela.

Deixei-a em casa e segui o meu caminho, como de costume. Gosto de boa companhia. Acho que todos gostam. Sabe, aquelas pessoas que tem o dom de te deixar te sentido bem? Pois é. Era uma dessas. E passei a admirar ainda mais ela por esse conselho. Principalmente pela forma como foi dado. Sem pretensão nenhuma. As pessoas deviam aprender que alguém que precisa de conselhos não quer conselhos. Quer descobrir as soluções. E ela deu a ferramenta que faltava para começar mais uma reforma nos meus conceitos.

Como sempre, não pensei no que ela disse no momento em que as palavras saíram da boca dela. Até porque estávamos em sintonia demais para isso. Fizeram sentido só quando eu parei no semáforo, com o pisca indicando que dobraria para a esquerda. Do que eu me desculpo? Por que peço perdão dos meus atos? Ninguém me pede isso. Educação? Não creio. Embora ache que fui bem criado. Culpa? Talvez. Caí na real na hora que deu o sinal verde. Tinha que fazer minha curva.

Acho que na realidade me considero um incômodo. Ou tenho medo de me sentir assim. Para quem quer que seja. Não creio que muitas vezes as minhas palavras tragam algo de útil. E seguidamente me encontro pensando nos outros. Não gosto que me atrapalhem, que falem coisas que não quero ouvir. Em resumo, sou uma pessoa comum. Mas me coloco no lugar de quem fala. Se estiver me procurando para isso, é porque precisa. Eu entendo isso. Mas ainda tem a questão do incômodo. Então, quando eu preciso falar, peço desculpas por qualquer outra coisa. Resolvido o mistério. Peço desculpas inconscientemente.

Seria muito fácil se fosse assim. Aliás, nós vamos sempre por esse caminho, o mais fácil. Mas o que soou extraordinário nas palavras dela foi que eu, pela primeira vez, me dei conta que estava completamente errado. Eu peço desculpas para outra pessoa. Para mim. Desculpas por estar sendo fraco, por estar falando demais, por usar o caminho errado, por escrever mal. Tanto que o título desse texto é “Desculpe-me, por favor” em alemão. Vivo pedindo desculpas para um cara carrasco que nem pensa muito nisso. Simplesmente não se perdoa. Inútil.

Realmente tenho que aprender a me perdoar. Aceitar-me. Viver. Deixar que meus erros não me sufoquem. Nosso mundo é imperfeito demais, preciso de algumas falhas. Ou melhor, aceitar essas falhas, porque elas existem. Tem coisa que é inerente a personalidade. E outras que ninguém percebe mesmo. Então, por que me cobrar tanto? Melhor deixar rolar.

Tá, desculpe a minha indiscrição. Vou voltar para a minha gaveta.
FOTOGRAFIAS

Ele subiu no ônibus e estava descalço. Era negro e tinha barbas por fazer há muito. Seus cabelos eram sujos e compridos, bem como as unhas. Tinha as vestes rasgadas e escuras. Encardidas. Mas não cheirava mal. Entrou e sentou. Um banco antes da roleta, no final da linha. Sozinho. Para alívio dos outros passageiros, diga-se de passagem, que já se espichavam nos seus lugares para não deixar o espaço para aquele senhor. Praxe, por sinal.

Eu estava sentado no último banco, janela, como de costume. Gostava de olhar as pessoas que eram ultrapassadas pelo ônibus. Já tinha visto muita coisa por aqueles vidros. Uma vez pensei em levar uma câmera fotográfica ou mesmo uma filmadora e gravar um pedaço da vida dos que por ali transitavam. Pegar o momento do “sim”, o atropelamento, os olhares para dentro da condução, os abanos. Dava para documentar os pequenos furtos que se via naquela linha, as prostitutas, os medos escondidos sob a luz amarela dos postes. Sempre gostei daquelas luzes. Tenho um apreço todo especial pela vermelhidão do fim da tarde, as tempestades púrpuras e as noites negras. E os batidos dias cinzas.

No dia em questão não era noite – trocadilho óbvio – mas era cinza. Devia ser umas onze horas. Início de uma viagem rotineira para mim na época, uns quarenta e cinco minutos. Isso para pouco menos que quarenta quilômetros. Quase setenta e cinco quilômetros por hora de média. Isso porque não havia nenhum pardal no trajeto, claro. E era nessa distância toda que eu via os carneiros pastando num campo de futebol, meninas da noite que se abrigavam sob pontos de ônibus, transeuntes descuidados que faziam travessias na frente de carros, freadas e coisas assim. Via os detalhes da vida. Coisas que meus colegas de condução não prestavam atenção.

Vi o cobrador subindo. Palito na boca, camisa semi-aberta, bermudas e pochete. Embora não estivesse muito calor. Na verdade eu acho que estava frio. Mas não vem ao caso. Veio cobrando os passageiros que estavam sentados lá na frente, depois da catraca, um por um. As moedinhas faziam barulho e ele era muito rápido para pegar notas. Incrivelmente, parecia com um cobrador de ônibus. Com unha do dedo mínimo mais comprida e tudo. Um gentleman, que tem o hábito de te encher de moedas caso tua nota seja muito alta. “Espera por perto que tenho que arrumar troco”. Coitada da mulher. Mas é esnobar pagar com nota de dez num coletivo público.

Depois da romaria, ele se abancou no seu lugar de direito enquanto o motorista também tomava assento. Lógico que o último estava terminando a piada que começou a contar na rua, ocasionando aquele alarde normal. Eu lembro que ri, mas não lembro do que. O ônibus ligou e eu me preparei para clicar o mundo lá fora. Era domingo. Iniciamos a viagem.

Como de costume, sempre que trocávamos de cidade o cobrador ia recolher o dinheiro da passagem daqueles que, como eu, não gostavam de passar a roleta. Havia uns cinco ou seis passageiros nessas condições. Inclusive o senhor aquele. Depois de dois bancos eles se encontraram. Arrogantemente o representante da companhia transportadora acordou o mendigo com aquela pergunta “até aonde?”, ao que foi respondido “final da linha”. “Dois e quarenta e cinco”. Eu olhava enquanto meu coração se enchia de ódio e dor. Para que amolar o cara? Era óbvio que aquele sujeito sem tênis queria carona. Seres humanos adoram rir das desgraças dos outros. Deve ser como morfina politicamente correta, aplaca a tua dor com a dor do próximo.

Nem bem terminei de pensar isso, o nosso herói tirou três notas amassadas de dentro de seu pseudobolso e entregou ao cobrador. Não pude conter o sorriso. O homem deu o ticket da passagem e continuou seu trabalho. O senhor voltou ao seu sono e eu fui para o meu.

Já tentaram dormir em um ônibus em movimento? Mesmo quando ele para de dois em dois minutos recrutando passageiros? Muito divertido. A cabeça bate na janela a cada buraco. Aliás, essa é outra vantagem do lugar onde me sento: dificilmente tu acordas sobre o ombro do colega de banco. E fica meio flash back. Vê um prédio. Depois o escuro. Uma senhora gorda com uma criança (detesto criança nesses meios de transporte). Outra vez o breu. Um cachorro atravessando a rua. E nisso os ponteiros do relógio saltam. Era quase minha parada. Preparativos, pegar os pertences, almoçar, baita fome.

Antes, porém, que eu fizesse menção de me erguer aquele senhor o fez. E ganindo. Algo entre um gemido e um pedido. Levantou rápido e tentou se apoiar nos bancos. Atônito eu presenciei tudo – naquela altura o único que permanecia antes da roleta. Tentou uma vez, duas, não conseguiu. Gritou. Foi congelante. Meu coração doeu denovo. Ele se curvou e caiu com força. Saltei do banco para tentar socorrer. Fiz a tempo de ver o sangue correr pelo corredor, redundantemente. Parei, passei por cima dele e fui falar com o motorista. Indiquei o caminho do hospital mais próximo e desci do ônibus. Faltava pouco para o meu ponto, precisava desopilar a mente. Ia completar o caminho a pé.

No trajeto as coisas voltavam na minha memória. Tinha vontade de chorar, de gritar, de correr. E ao mesmo tempo não tinha força para nada disso. Só para caminhar e sentir o vento passar por entre meus dedos. Muito vento. Lembrava do sangue fluindo, escuro, sujo como o dono. Ele pagou a passagem. Nem calçado ele tinha, mas ele pagou a maldita passagem. Deu uma lição que meus colegas de ônibus mais uma vez não devem ter notado. Como o ser humano é desatento. Ele pagou pela sua última viagem, morreu com dignidade. Não era um caroneiro, comprou o seu direito de morrer ali. Com honra, como muita gente não é capaz de fazer.

Saí do transe a tempo de ver, pendurado em um fio suspenso entre dois postes, um par de sandalhas.
SER OU NÃO SER?

Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Sinônimo de hipocrisia, um dos provérbios mais utilizados pelos chefes e sabe-tudo de plantão. Eu pensei sobre isso esses dias. E refletindo me dei conta que sou muito hipócrita.

Estava dirigindo, voltando da faculdade quando olhei para o velocímetro e vi: 110km/h. Logo pensei em um dia em que eu estava conversando com um colega. Um conhecido dele tinha morrido, depois de dirigir em alta velocidade e alcoolizado. Eu, ferrenho defensor dos interesses humanos, critiquei duramente, dizendo que ele não tinha o direito de fazer isso. E se ele matasse um pai de família numa dessas? Reduzi para os oitenta regulamentares e rumei até em casa.

Hipócrita. Vi-me como um dos tipos que mais tenho raiva nesse mundo. Sempre que vejo algum noticiário sobre política penso nisso. Os nossos representantes não são coerentes nas ações, nem os seus respectivos partidos. Todos eles falam em reformas sociais porque está na moda, mesmo os liberais. Chegam até ao cúmulo de fundar um Partido Liberal Socialista. E eu entrando no mesmo barco, desmentindo minhas palavras com atos. Incoerente.

Sinto-me como aqueles grupos sociais que se consideram discriminados. Como os afro-brasileiros, os luso-brasileiros, os homossexuais e outros tantos que entopem os nossos jornais de notícias. Reúnem-se em grupos de minorias. Ao meu ver isso os coloca em evidência na sociedade, separa-os dela. E separar, deixar de lado, também é discriminar. Não parecem se orgulhar da sua condição. Não querem discriminação e se separam dos outros. Como definir isso?

Acho que muitos de nós, se fizéssemos um pequeno esforço mental, poderíamos nos identificar como hipócritas em potencial. Pais falam para os filhos não consumirem drogas e tomam Prozac. Tem gente que casa e trai. Dizem que são felizes e usam Lítio. Detestam as apelações da televisão, mas não perdem um capítulo da novela. Fãs da cultura que acham museus chatos. Simpatizantes do Greenpeace que comem no Mc Donald’s. Tem loucos que se consideram humanos a ponto de salvarem baleias e não se importam com os famintos da esquina da sua casa. Penso que temos tendência a fazer as coisas que abominamos.

Assim sendo, com estas linhas me admito hipócrita. Não só no trânsito, mas na vida. Por exemplo, detesto criticar. Mas aqui crio um paradoxo. Se eu me admito hipócrita, isso quer dizer que estou sendo sincero. Ao mesmo tempo, toda e qualquer ação incoerente da minha parte passa a ser algo comum à minha natureza. Trocando em miúdos, a cada ato hipócrita me torno mais coerente, ou seja menos hipócrita. Talvez seja isso que faz essas pessoas conseguirem deitar a cabeça no travesseiro e dormir.

Pro diabo essa nossa lógica insensata.
DAS IST KLAR!

Significa “Está claro” no nosso idioma. Isso é alemão. Estudo essa língua há dois anos. Muito interessante por sinal. Comecei isso por uma certa admiração pela Alemanha, pelo fato de um país destruído duas vezes ter forças para ainda ser uma grande potência mundial. Hoje não me importo muito com os aspectos políticos, mas me encantei pelo idioma. Acho que quebrei esse tabu. É como o inglês. Não gosto dos americanos, mas acho interessante a idéia de pensar em outra língua. E pode-se evitar as horríveis transposições que temos nos filmes dublados e livros traduzidos. Nada melhor que entender exatamente o que o autor quer dizer, captando e processando as informações no idioma em que foram concebidas.

Embora de som tosco aos nossos ouvidos, as palavras em alemão sempre significam exatamente o que querem dizer. Pode-se ter umas três palavras diferentes para uma apenas em Português. Como por exemplo “Férias”. Em alemão temos Ferien, que são as férias dos alunos de uma instituição de ensino. Os professores deles não tiram Ferien, eles ganham Urlaub. No meu caso, que trabalho numa indústria, não tive nenhuma dessas. Eu tirei uma Prichturlaub, que são aqueles períodos em que todos na empresa saem de férias ao mesmo tempo. Em suma, extremamente específicos e poucos trocadilhos, muito diferentes do Português.

Sinceramente, tem horas que eu gostaria que falássemos em alemão. Isso evitaria muitas dores de cabeça. As palavras que proferimos podem causar danos graves. Por exemplo, nos relacionamentos interpessoais. Se dissermos que nos sentimos atraídos por alguém, isso pode significar muitas coisas, dependendo do ouvido receptor. E pode desencadear várias reações como um beijo, um tapa, uma guerra. As palavras saem de bocas descuidadas como setas embebidas. Dependendo do alvo, pode ser em veneno ou em mel, mesmo que tenhamos utilizado líquido do mesmo pote.

Os mal entendidos são terríveis. Podem acabar com um relacionamento, com uma amizade, com um contrato. Quem já não enfrentou sentenças ambíguas? Eu tenho graves problemas com isso. Gosto de pensar muito nas coisas que são ditas, confronto com as atitudes e tento estabelecer um padrão que me instrui como agir. Quando consigo processar isso em tempo hábil para não perder uma oportunidade (situação rara), topo com uma realidade: a frase que ouvi não queria dizer o que eu entendi. Nesse instante tudo fica estranho, parece que o chão some, que as coisas giram. E geralmente o mundo cai. É muito chato, me sinto como se respondesse um “Acho que vai chover” com um “Também te amo”. Tragicômico, eu diria. Até se explicar tudo, muita coisa pode acontecer.

De fato tenho tentado ser transparente nas minhas palavras escritas, ditas e pensadas. Nas pensadas isso é fácil, tenho toda a liberdade para fazer o que eu quiser dentro do meu universo. Inclusive não pensar nada. Com as palavras escritas as coisas ficam simples, é só fazer uso do maior invento de todos os tempos: o Backspace. Com essa teclinha facilmente viajo entre os caracteres ha pouco saídos dos meus dedos e corrijo os possíveis pontos críticos de interpretação. Isso facilita a vida de quem quer evitar conflitos. Acho que vou ter que inventar algo assim na próxima conversa sincera que resolver travar.

Boca fechada não entra mosca, mas também não entra comida. Assim, somos obrigados a conviver com as peripécias do nosso idioma e os humores gerados por elas. Mas ainda temos os lados positivos: nossos poetas são muito mais felizes que os alemães. Podem fazer duzentos poemas escrevendo apenas um. E podemos deixar aquele gostinho de “o que será que ele quis dizer” no coração das pessoas... Cruel, muito cruel...
CONHECE-TE A TI MESMO

Li essa frase hoje. Diz que é o que estava escrito no templo de Apolo, em Delphos. Era lá que os guerreiros procuravam por Phytia. Ela sentava no seu banquinho trípede sobre uma falha no chão de onde provinham vapores. Talvez ela fritasse seus miolos lá. Ficava em transe, esperando que o deus soprasse algo em seus ouvidos. E cantava coisas aos interlocutores, com respostas que sempre faziam-lhes pensar sobre si mesmos. Uma espécie de espelho para o interior do curioso, que sempre pergunta onde está a tesoura antes de olhar para a sua gaveta.

Quanto tempo deve fazer isso? Alguns milênios, por aí. E parece que ninguém mais lembra do que o coitado do Apolo, e o que queria dizer com aquela frase. Redundante por sinal. Apolo podia apenas ter escrito “Conhece-te”. Mas eu acho que ele devia conhecer a humanidade. Uma frase dessas, tão curta, não seria chamariz. As pessoas são de natureza complicada. Fogem do simples, do convencional. Pensam difícil até na hora de procurar um caminho mais fácil. Isso justifica o exagero. ...a ti mesmo. Tu, o leitor.

Eu também não tinha me dado conta do poder dessa frase. Sei lá se é porque eu nunca tinha ouvido antes, ou se eu nunca prestei atenção a qualquer coisa externa ao meu umbigo. O fato é que depois da última rasteira da Fortuna as coisas na minha vida mudaram. E eu acho que a leitura dessa frase hoje veio coroar o meu renascimento. Bem como o histórico mesmo, eu sempre estive aqui, mas não me dava conta. E acho que era isso que o velho Apolo queria dizer.

Quando desse último evento cruel da deusa do destino para comigo se sucedeu, eu ainda errava. Não que hoje eu seja perfeito, longe disso. Mas eu era mais burro. Eu procurava todas as respostas sobre meus problemas na minha gaveta de meias. E ficava ali, me entretendo e tentando esperar o tempo passar e alguma coisa tomar a decisão por mim. Às vezes de propósito, outras não. Eu podia jurar que tinha visto a resposta lá, tirava tudo de dentro, colocava novamente. Voltava a tirar. E nada. Até eu perceber que tinham outras gavetas nos meus armários, até mesmo outros armários. E aí eu pude perceber: as respostas aos meus problemas não estão na minha gaveta de meias.

Parece muito lógica – ou estapafúrdia – essa minha constatação. O fato mais absurdo é que poucas pessoas chegam a essa conclusão. Depois que algo acontece parecem querer tomar sempre o mesmo remédio. Gente que perdeu carinho quer receber mais carinho. Os que perderam o respeito, querem honras. Os desprovidos de dignidade querem atos altruístas. Como se fogo se apagasse com álcool. E o pior: dão-se mal com essa atitude e repetem-na sempre que não sabem o que devem fazer. Não se conhecem. Não sabem onde fica a saída de emergência. E não reconhecem isso.

Trocando em miúdos, procuram a solução dos seus problemas nas gavetas de meias. E dos outros, ainda por cima. A ausência de amores suprida por uma namorada nova, por um amigo. O não ser aceite é substituído por uma turma nova. A ausência do pai por um marido. E se esquecem de procurar no lugar onde deveriam ter começado: dentro de si mesmos. Olhar onde nunca olham, para o espelho. Acho que doeria menos para todo mundo.

Se todos nos preocupássemos em sabermos mais sobre nós mesmos, acho que menos Phytias fritariam seus miolos tentando nos falar para fazermos isso. Faríamos Apolo feliz. E finalmente, conseguiríamos não sermos surpreendidos pela Fortuna.

Acho melhor parar por aqui... ta parecendo sessão dos Amargurados Anônimos...
Tenho todos os minutos nas minhas mãos, mas não tenho força para pegá-los. Por isso deixo correrem entre meus dedos e cairem aos meus pés. Não é por falta de vontade, mas por falta de motivo. Todos temos o que queremos, salvo quando não queremos. Isso é fato, mas por que diabos não temos vontade? Por que o tempo passa pelas minhas mãos e me deixa angustiado, atônito? Acho que deveria ter atitude, mas agora tenho que tomar café.

Talvez se eu ficar parado isso passa...
VEIAS À PARTE

Acordei com uma forte dor no coração hoje. Coisa comum, é verdade, tenho tido dessas dores muitas vezes. Principalmente nesses últimos dois anos. Mas resolvi que do mesmo modo que os medos passam, as dores também devem ter um fim. Fui procurar um médico. Plano de saúde sabe como é. Pelo menos para isso meu trabalho serve, assistência médica sem precisar choramingar no SUS.

O trânsito não me revelou surpresa alguma. O inferno na terra. Demorei muito mais que os vinte minutos habituais para percorrer aquele pequeno trajeto. Mas tinha um motivo para isso, não estava nem um pouco com vontade de trabalhar. Queria ver os pássaros, as árvores. E eis que de repente começou a doer novamente. Um fio agudo, como uma agulha que atravessa de peito a costas, de uma vez, e incha, como se rasgando o corpo. Parei o carro para me recompor com muito sacrifício. Cheguei ao hospital pálido.

O doutor fez uma bateria de exames que ficavam prontos no dia. Milagre, pensei. Hemogramas, fluxogramas, todas as gramas que possa imaginar. Injetou um líquido nas minhas veias e depois bateu uma radiografia. Nunca tinha visto isso. Ele me explicou se tratar de uma técnica para identificar coágulos ou entupimentos em veias e artérias. Passei uma hora lanchando e vendo Cartoon Networks aguardando o resultado dos exames.

Quando voltei para a sala do doutor não me causou surpresa sua expressão facial. Parecia um quadro muito desagradável. Todos os exames mostravam alguma coisa, mas aquele da radiografia me chamou muita atenção. Podiam-se ver claros os coágulos. O médico me falou sobre os avanços da medicina, tudo que poderia ser feito para reverter o quadro. Falou a respeito de vida após a morte e finalmente cirurgia. Mostrou catálogos e me deu uma guia para solicitar à empresa o custeio da intervenção. Quando saí pedi uma cópia da radiografia. Passei na fábrica de quadros ainda antes de chegar em casa.

Agora fico aqui, copo de Whisky na mão, admirando meu novo Quadro de Saúde. Literalmente. Nessa radiografia emoldurada pode se ver muito de mim. Noto claramente uma veia inchada, quase estourando. É minha veia poética, só pode. Isso justifica as minhas invenções de ultimamente. Creio que seu desenvolvimento está fortemente ligado com minhas dores cardíacas. Parece que rompe o peito, tal flecha mórbida oriunda de mãos carrascas. Sinto-me em devaneios ao vislumbrar tão linda figura.

Aquela ali, mais ao lado é minha veia literária. Anda sendo bastante utilizada ultimamente. Também me envaidece, por certo. Encontra-se cheia de pontos, vírgulas, exclamações e principalmente reticências. Ah, reticências... Estão enchendo minha vida. Ainda bem que não são as aspas. Vantagens de uma vida solitária.

À esquerda vemos minha veia crítica, infusa na minha veia passional e atacada na minha veia lógica. Andam se batendo ultimamente. Logicamente o meu senso crítico anda meio corrompido pela minha veia passional. Mas tenho desenvolvido um carinho especial pela lógica e pelo criticismo. Isso sem levar em consideração que a lógica é por demais simplória e o amor irracional e ensandecido. Realmente, acho que está tudo muito confuso na minha cabeça.

Paro e admiro. Fico rindo, dou voltas pela casa e olho novamente. A guia para solicitar a cirurgia ainda está no porta luvas do carro, ao lado do recibo da fábrica de quadros. Até meu coração melhorou... Fiquei me conhecendo melhor e isso basta. A cirurgia fica protelada, minha personalidade acima de tudo. E vivas às minhas veias!
Pensamento do dia:

"Alles hat eine Ende, nur die Würz hat zwei"
(Tudo tem um fim, só a lingüiça tem dois)
OI, TUDO BEM?

Vi um âncora cumprimentar desse modo num jornal de âmbito nacional. O que provocou uns quinze minutos de riso, pelo menos. Depois fiquei pensando. Ele me pareceu tão íntimo. Sei lá. Talvez o fato dele entrar quase todos os dias pelo tubo do aparelho de TV tenha feito dele um amigo meu. Meio inoportuno as vezes, me trazendo umas notícias chatas. Mas ele nunca tinha sido simpático. Me aconcheguei no sofá e fiquei vendo o programa até o final.

Quando fui para cama fiquei pensando. Demorei para dormir, inclusive. O que será que fez ele ter essa liberdade? Quanta petulância! Tá certo que ele já viu muita coisa da minha vida e me mostrou lugares que eu nunca tinha visto... mas sempre tinha sido profissional. Será que ele está com problemas na família? Será que ele anda se sentindo sozinho? Pode ser, nunca tem ninguém no estúdio na hora que ele vem falar. Algum tipo de neurose, ou mesmo uma depressão súbita. E se amanhã mudar o apresentador? Pode ser que ele traga a notícia do suicídio do nosso simpático amigo. Afofei o travesseiro e virei de lado.

Pensei mais um pouquinho. E se ele for homossexual? Ih, não vem que não tem. Amanhã vejo o telejornal do concorrente. Eu hein? Tá louco. Voz mansa, aquele jeito de olhar pra câmera... sempre suspeitei. Nunca trabalhou com uma mulher na mesma mesa. É... Bom, pode ser que não seja. Uma vez conheci um cara que tinha todas as ferramentas para ser e não era. Ao contrário, tava sempre com uma mulher diferente. Pode ser que eu esteja vendo muita televisão... Afastei esse pensamento com uma olhadela pro relógio. Putz, estavva tarde. Virei denovo, gosto de dormir de frente.

É, acho que é bobagem minha. Acho que ele apenas se aproveitou da familiaridade comigo e meu sofá e resolveu se soltar. Até pode ser bom. Pode ser que ele queira me explicar melhor essa história de crise na Argentina. Ou me dizer aonde se escondeu o Beira Mar e o Bin Laden. Se ele continuar mais meu amigo, vou começar a fazer perguntas pra ele. Acho que é melhor que ele saiba quais as notícias que eu quero ouvir. "Me diz como anda aquela coisa dos recalls..." ou "A quantas anda aquele escândalo do TRT de São Paulo?". Ia ser mais divertido. Maldito mosquito, tive que levantar e buscar o flit...

Devololta à minha cama, arrumei o travesseiro esperando dormir. E sonhei. Eu estava na minha sala, sentado no sofá, assistindo um filme. Terminou logo, mas fiquei sentado para ver o jornal. Deu a chamada, musiquinha, a câmera fez o zoom e o apresentador não estava ali. Quase um minuto depois entra ele, de camiseta manga física, barba por fazer e todo despenteado.

- E aí meu amigo, tudo beleza?

Fiquei desconcertado.

- Como vai? Não me parece muito bem. Brigou com a namorada? Me conta. Fazemos assim, hoje só notícias boas.

E começou a dizer que as coisas no Brasil iam bem e tudo mais. Estranhei um pouco no início, mas depois gostei. A previsão do tempo ia ser de sol, sem calor. Uma chuvinha só na quarta denoite, com um frio propício para edredons e vídeo cassetes. O dólar tinha despencado, o ACM estava preso e os EUA tinham começado o processo de pagamento de indenizações para as nações que sofreram alguma perda por culpa deles. Tudo ia bem, até chegar na sessão dos esportes.

- E o teu timinho, hein? - esse era ele falando - Bah, perdeu denovo... vai procurar time decente para torcer! 5X2 do Pindamonhangaba... Hehehehe...

Acordei de sobressalto. Olhei para o relógio, saí de casa atrasado. Mas assim que cheguei no trabalho mandei um e-mail para a emissora pedindo o afastamento do dito cujo. Futebol é futebol, oras. E meu time acima de tudo.
Gosto de mergulhar no oceano das tuas retinas mostrando minha face mais doce.
Gosto de pintar um mundo colorido no céu da tua boca com minha alma em um beijo límpido.
Gosto de trazer à tona teu eu mais meu em um êxtase miraculoso.
Gosto do teu cheiro branco molhado em teu amor humilde.
Gosto do teu abraço sincero.

Será que precisa mais?
ERA DE AQUÁRIO

Estou trabalhando dentro duma dessas salinhas montadas com divisórias desmontáveis. Estou colocado em um lugar meio isolado, e a sala é coberta de paredes por todos os lados. Assim, quem avista de longe essa espelunca poderia ter a impressão que isso é um aquário. Pelo menos eu penso assim. Se enchessem isso aqui com água ia ficar eu a expirar bolhas de ar com um olhar de peixe morto. Lindo de ver...

Pode ser que o pessoal até quisesse colocar umas vinte câmeras aqui e ver o que eu faço. Num "One Brother". Eles até poderiam ver eu removendo um fantástico Tatu da minha cavidade nasal, por exemplo. Ou meus momentos de nada para fazer, simplesmente olhando. Voyer. Acho que até eu estou entrando nessas. Vou colocar vinte e cinco espelhos do lado de fora do meu aquário particular e ficar olhando as minhas reações diárias sobre mim mesmo. Hehehehe... meu planetinha umbigo.

Tá, gozação. Mas é quase assim que se pode ver as coisas. Como esse artigo do Estadão de hoje:

"Franceses lançam Big Brother "cabeça"

São Paulo - Assim como muitos outros países, a França também não resistiu à febre de reality shows tipo Big Brother que assola o mundo. Mas a terra de Sartre e Foucalt decidiu inovar, adaptando as usuais baixarias dos confinados a um estilo mais, digamos, "cabeça". Foi assim que surgiu o Vous Connaissez la Nouvelle? (Você conhece a história?) -, da rede La Cinq.

Trata-se de um reality show "intelectualizado". Ficarão trancados em uma casa quatro escritores com a missão de produzir um conto de dez páginas cada um. As palavras que surgirem em seus laptops serão mostradas pelas câmeras. A emissora garante que uma eventual guerra de egos entre os participantes e a interferência do público, que poderá enviar sugestões e críticas aos escritores, garantirão momentos de "puro êxtase intelectual".

Para não ficar atrás, a Inglaterra também vai fazer o seu reality show "cabeça". No piloto do programa produzido pela BBC, jornalistas confinados discutem a situação no Oriente Médio."


Parece que a cada dia que passa mais as pessoas querem enlatar as coisas. Agora é essa moda de ver como os outros reagiriam a uma determinada situação. O ser humano colocado dentro de jaulas ou aquários, para ver o que acontece. "Novo Reality Show, agora o pessoal tem que comer ração para viver!!". E o mundo compra a idéia. Daqui a pouco é uma família da vida real (como a casa do Ozzy Osbourne, que está sendo mostrada para o mundo inteiro).

Será que é isso que os astrólogos querem dizer com "Estamos entrando na Era de Aquário"?
Em virtude da minha insistente postura em criticar esse sofrível dia (Segunda Feira), resolvi por conta própria endereçar uma carta ao Congresso Federal. Esta se encontra na íntegra descrita nas linhas que seguem:

"Exlmo. Senhor Presidente da Câmara dos Deputados Federal

Venho através desta solicitar a vossa excelentíssima o encaminhamento de um projeto a ser apreciado por nossa nobre casa no intuito de modificar a semana no Brasil. Tendo em vista a baixa produtividade das pessoas nas Segundas Feiras, doravante referenciadas neste documento como SF (utilizei esse recurso para evitar maus fluidos), solicito a substituição desse fatídico dia por um novo, chamado de "Domingo B" (DB).

Ficaria estabelecido que esse novo dia o turno de trabalho se iniciaria as treze horas e terminaria as quinze. Isso apenas para que o funcionário possa se encontrar com seus colegas de trabalho para discutir as pendências do final de semana, como por exemplo, o resultado dos jogos de futebol, como estavam as festas, críticas às sogras e coisas do gênero. Ficaria terminantemente proibido quaisquer assunto de natureza profissional, bem como a ação que possa causar como efeito a resolução de alguma atividade de mesmo âmbito.

O DB contaria também com um sistema especial, de responsabilidade do governo federal, chamado "Sistema de Desestressamento dos Chefes" (SDC). Isso deveria prover a todos os ocupantes de cargos de chefia um dia em um SPA, de modo a eliminar ou ao menos amenizar todo e qualquer cisma, mal entendido, churrasco entalado ou coisas do gênero, da mente do supra citado. Isso para evitar danos aos funcionários na Terça, o que significaria a adoção do Domingo C e a bancarrota dos objetivos dessa medida. Deveria existir também mulheres e homens responsáveis pela erradicação da frase popular mais freqüente nas SF's (a saber: "Acho que ele(a) não recebeu (deu) no final de semana...").

O trânsito deveria ser modificado, de modo que saísse um trio elétrico na frente de cada engarrafamento. Os fiscais de trânsito deveriam ser mais simpáticos e atraentes, agindo apenas no intuito de esclarecer dúvidas e ensinar normas de como beber cerveja, piadas, etc. ficando restrito o uso do talonário de multas apenas para anotar algum telefone para um eventual encontro na quarta (popular "Dia do Sofá"). Preferencialmente modelos em trabalho voluntário.

O sol seria intimado a comparecer sempre, exceto uma vez por mês quando é dia da chuva. Isso para poder proporcionar aqueles dias sonolentos e a atmosfera propícia para um "Foundee", pipocas e vídeo cassetes em geral. Ou apenas para dormir ouvindo o barulho dela no telhado. Lembrando sempre: haverá multa para a chuva ou para o sol quando eles forem por demais severos, ocasionando queimaduras, enchentes ou demais pormenores que possam macular a aura do funcionário no dia seguinte. Também ficaria proibida a morte de qualquer ente querido, bem como doenças contagiosas ou outros males, salvo aqueles leves e que possam gerar atestados sem maiores conseqüências que um final de semana prolongado.

Finalmente, gostaria também de salientar que a programação televisiva deveria sofrer alguns ajustes. O principal dele a exclusão de quaisquer noticiários que possam trazer más notícias ou que possa vir a corromper o bem estar do funcionário e do patrão.

Grato pela atenção e esperando Vossa compreensão despeço-me.

Cordialmente,
Poseidon.


Creio que isso resolveria o problema. Mesmo que isso não venha para nós, pobres trabalhadores, pode ter certeza que isso vai ser incorporado na carga horária do Congresso e Senado...
Buenas e me espalho, como já diria Rodrgio Cambará na primeira vez que pisou em Santa Fé. Mas de santo tenho apenas o sobrenome e minha fé anda escassa. Assim, já que dona inspiração me acordou com um beijo encorajador, venho através desta me apresentar e ver se tenho determinação e paciência suficientes para levar a cabo a doce empreitada de "espraiar" (salve nosso governador) um pouco do que as ultrasonografias não revelam e que os psicólogos temem: minha mente.

Espero agradar quaisquer curiosos que queiram mexer nas minhas coisas, dizendo que não são essas minhas coisas, entrem tranqüilamente e fiquem a vontade. Malhar vale, só não calunie a matter alheia.